Entrevista: Kirá desagua em poesia no novo EP “Olho Açude”

 Entrevista: Kirá desagua em poesia no novo EP “Olho Açude”

Foto: Bella Montiel

Mergulhe nos sons do Kirá sem medo de se afogar

Depois de plantar Semente de Peixe, vender Marmelada e levar quem o escuta para a maré agitada de um Dia de Feira, o cantor e compositor Kirá, nascido em Fortaleza e cria de Brasília, está de volta com o EP “Olho Açude”. Confessionais, íntimas e cheias de afeto, as cinco faixas te levam para um mergulho em si e nas possibilidades de amar, sofrer e se recuperar. Com produção de Pedro Badke, participações de Letícia Fialho e Shaira e poesias de Anna Moura e Sabiá Canuto. O audiovisual é do Coletivo Cuia.

O Mais Brasil conversou com Kirá e descobriu as inspirações que levaram à obra e também sobre a nova fase da carreira, que já passou por diferentes terrenos até cair da ribanceira. Literalmente! O cantor me contou que ao gravar alguns vídeos no litoral cearense sofreu um acidente. Coisa leve, que só derrubou pra ensinar a levantar.

Filho de um dos grandes nomes da música internacional, Manu Chao, Kirá nunca se apropriou do sobrenome como vantagem. É por conta própria e junto com quem faz música que está conquistando seu espaço. Aqui em Brasília mesmo, quando escutamos “Qué horas son, mi corazón!” na Rádio Cultura, quem canta é o “Pai do Kirá”.

“Tenho um carinho muito grande por meu pai, principalmente a pessoa do meu pai. Que me ensinou muita coisa, do que eu trabalho no palco, nas músicas. E vem os aprendizados dele, como pessoa também, como pai, que me levava para tocar nos botequins. Mas não ocupo esse lugar de ‘filho do fulano’. Eu tenho um trabalho aqui, que é meu, que é nosso, de muita gente que faz comigo. Eu quero que isso seja respeitado.”

A mistura da cultura popular nordestina com a do cerrado tem resultados surpreendentes na música de Kirá, que aposta nesta nova fase em sonoridades que expandem o local para o universal, que ultrapassam os limites do território e conversam com o mundo. São camadas, samples e elementos usados para oferecer uma experiência renovada dos sons que já nos são familiares. A tour pelo velho mundo neste ano proporcionou vivências e percepções que Kirá está agora digerindo e traduzindo para sua música.

A conversa você lê aqui:

+BR: O que o Pivete Baladera aprendeu da Ribanceira pra cá e reflete no novo trabalho?

KIRÁ: Maturidade, né? Ainda tenho muito pra ganhar de maturidade, mas a gente vai fazendo, ficando mais cabeça dura, certo do que quer,  pra onde ir… Vai ficando mais palpável o universo que a gente quer botar para fora. Eu tento muito manter uma coisa espontânea, assim… pra que as coisas aconteçam fora de controle. Tem uma magia na insegurança e no que vai acontecer. De “Semente de Peixe” pra “Olho Açude” a gente fez o trabalho muito mais maduro, sabendo direcionar pra onde a gente queria ir, o conceito que a gente queria trazer. Com mais qualidade, com mais percepção do todo, que envolve uma cena cultural, um trabalho cultural. A gente prezou não só sonoramente, como visualmente, como conceitualmente, que tudo tivesse amarradinho, dentro desse universo que a gente se propôs a botar pra fora.

+BR: E o que você sentiu de diferença no processo criativo e de produção do novo EP?

KIRÁ: Na parte criativa, na gravação já foi bem diferente. No “Semente de Peixe” a gente já tinha as músicas estruturadas ao vivo e reproduziu a partir dessas estruturas no trabalho final. Agora eu só tinha uma voz no violão. Então toda a estrutura da música foi criada a partir disso, do mínimo. E aí construímos tudo e isso foi muito mágico, muito legal por conseguirmos explorar mais caminhos. A gente se surpreendeu com as formas que conseguimos traçar.

As músicas são de um momento bem diferente também, a essência das letras… A maioria escrevi na pandemia, sofrendo de amor, separado ali, é muito mais íntimo.

+BR: Então o que faz esse olho marejar, ou melhor, ser açude, é o amor…

KIRÁ: Sim, é sobre amor, sobre amar. Eu tava apaixonadíssimo. E aí nessa coisa vai não vai, pandemia, todo mundo sozinho… essas músicas começaram a surgir e são músicas muito pessoais. A princípio a ideia era de um álbum só voz e violão, numa pegada minimalista. Aí juntei com Pedro Badke, com Lucas Barbosa e a gente começou a fazer isso. Só que a gente foi percebendo várias camadas e fomos crescendo as músicas, adensando. Fomos identificando novas referências, novas inspirações. Usamos muito synth, muita coisa eletrônica nessa onda.

Queremos fugir desse clichê que as pessoas tem de música popular. Então fomos ainda mais profundo nesse popular e trouxemos um toque assim… mundial, algo menos fechado em si e mais pronto para irradiar, para conquistar novos lugares. Despertar o popular para o universal.  

+BR: E como foi enfrentar as câmeras pra fazer todo o trabalho visual?

KIRÁ: Coincidentemente tava começando a fazer uma peça de teatro, me ajudou muito. Uma coisa é fazer o palco, outra é uma câmera ali e você tendo que atuar. A gente se juntou com a Cuia, que é um coletivo de audiovisual daqui, a gente criou as ideias, o roteiro, o universo, as figuras. Super rolou! A galera da produção, que tava na direção, nas câmeras, super receptivos, super encorajadores. Rolou demais, foi massa!

+BR: Temos que exaltar aqui o trabalho do Pedro Badke ,que vem se destacando muito na cena brasiliense. Como é trabalhar com ele?

KIRÁ: O Badke é tipo um alquimista. Uma das minhas maiores sortes, minha felicidade, é ter cruzado o caminho com ele. Para além do profissional, de amizade… nossa relação se construiu antes de tudo na amizade. Isso abre um espaço imenso pro profissional… a gente cola junto, a gente vive junto, a gente conversa sobre trampo em qualquer situação e no meio do trampo a gente conversa sobre nossa vida pessoal. Isso cria um espaço de construção muito bonito. Ele é importantíssimo dentro da carreira e do que a gente vem fazendo como produção, como direção de de musical ali no ao vivo. Ele é uma figura que tá sempre ali direcionando. Ele tem muito conhecimento, muita técnica. Ele é um condutor primordial no meu trabalho, no que a gente vem fazendo junto. A gente fica lá no estúdio, o Sala 7, ele abre as portas, a gente fica horas tirando sons, curtindo lombra, é massa. Ele é primordial.

+BR: E sobre as participações do “Olho Açude”?

KIRÁ: É incrível, é a música do DF! Bateu essa de “será que a gente faz feat com alguém de fora?”. Mas acho muito massa quando a gente se junta com a nossa própria cena. A Letícia lançando com Murica e tá com a gente, traz a Shaira pra perto, Anna Moura e o Sabiá declamando poemas.

“É sobre a gente se fortalecer, sobre estar junto. Estamos no mesmo barco, onde eu chego todos os outros chegam junto. Cada um tá remando o seu caminho, mas a gente tá remando junto, querendo ou não. É pro que a cidade ainda pode ser, é porque a gente sonha isso junto!”

ESCUTE AGORA O SOM DO KIRÁ!

 

Felipe Qualquer

https://escutaqueebom.com

Comunicador, curador e podcaster na @escutaqueebom; No rádio desde moleque, está no ar na Rádio Cultura de Brasília; pesquisa o universo da música e escuta de tudo. Foi Head de Estratégia da Music2Mynd e Diretor de Comunicação do S.O.M, canal de música da Mídia Ninja. Em MG atuou nas rádios Minas, Nova e 94FM. Em Brasília passou por MIX FM, Transamérica e Rede Clube. Escreveu para os jornais Gazeta do Oeste e O Popular e Revista ShowBar. Produtor cultural desde 2010 com trabalhos no festival EcoMusic, Rua do Rock, Usina de Rima, Grito Rock, Festa Nacional da Cerveja, Toma Rock, Transamérica Convida, No Setor e Cervejaria Criolina. Estudou Comunicação e Teoria, Crítica e História da Arte na UnB.

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