Rubel anuncia nova era no Brasil

 Rubel anuncia nova era no Brasil
Foto: Bruna Sussekind

O músico carioca Rubel lança seu terceiro disco de carreira, “As Palavras, Vol. 1&2”. Esse novo trabalho promete estar na listas de melhores do ano, e quem sabe entre os melhores já feitos nessa terra.

Os pontos que tornam esse álbum importante são: a versatilidade melódica e poética presentes nas canções, a sua facilidade de dialogar com a atualidade brasileira politica e cultural, o time de peso que Rubel convocou para os feats e o trabalho empregado pelo cantor para que o disco ficasse impecável. E mais algumas coisas que possam ter me passado batido.

Eram 11 da manhã quando mandei uma mensagem pra ele, em segundos ele fez a ligação. O primeiro disco de Rubel completa 10 anos em 2023, o aclamado “Pearl”, e de lá pra cá ele carrega muita coisa, e deixa outras pra trás.

A Faísca de “Pearl”

“Eu não me considerava um músico profissional, meu foco estava todo no cinema e roteiro. Eu achava que não cantava bem e nem compunha bem. O “Pearl” foi um disco de muita descoberta para mim, descoberta da minha voz, literalmente e metaforicamente, uma possibilidade de um fazer artístico que eu não sabia que existia. Essa faísca que descobri no “Pearl” eu vou levar para a vida inteira. Ali foi realmente um momento que mudou a minha vida… Eu só tenho uma carreira porque naquele período da minha vida descobri que a minha relação com a música é a coisa mais preciosa que tenho.

E acho que é uma coisa da verdade, de acreditar no poder da minha intuição e da minha verdade, porque aquele disco foi feito sem nenhuma preocupação com o que seria comercial, vendável, ou fórmula, formato. ‘Quando Bate Aquela Saudade‘, tem um introdução de quase 2 minutos de instrumental até eu começar a cantar, e é minha música mais ouvida até hoje, vai bater 70 milhões no Spotify”.

“Esse tipo de pureza de se preocupar exclusivamente com o que me soa bem, eu quero carregar comigo pra sempre, que é uma forma de fazer música pela música”, analisa Rubel.

O artista Rubel de hoje age com a intuição mas embasada com processo e estudo. “Agora o que eu deixo pra trás, ao mesmo tempo acho que esse disco tinha uma coisa que era muito intuitivo demais, no sentido que eu não preparei arranjo, eu não produzi, eu só chegava e gravava, as músicas eram todas que me vieram, de um lugar que era emocional, eu vivia alguma coisa e aquilo jorrava para fora como música.  Acho que hoje em dia minha abordagem vai pra outro lugar, que é de pesquisa e de estudo”.

 

As Palavras

“Esse disco é muito reflexo disso, de uma vontade de me debruçar sobre determinado gênero musical ou determinado assunto, e criar uma parada que venha a partir de uma visão, de uma ideia, sobre determinada coisa, é menos um jorro espontâneo de um sentimento e é mais uma busca artística consciente. Hoje em dia quero trabalhar mais dessa maneira, mais consciente sobre cada elemento que eu tô construindo, e as motivações dele, e de onde cada ritmo vem, acho que tem um trabalho que é mais cuidadoso, é um trabalho mais de artesanato, é menos um jorro intuitivo e mais uma construção consciente”, explica.

Quando você começou esse disco?

“Foi no início de 2019, no meio da turnê do ‘Casas’, foi o momento que eu olhei pro cenário que a gente tava vivendo no Brasil e eu senti uma desconexão com a minha música e a realidade do Brasil. O que eu tava cantando era muito doce, meigo e agradável, enquanto o país era violento, incômodo, desagradável, bélico e dividido. Eu senti que precisava ir para um outro lugar e fazer um disco mais sobre o Brasil e menos sobre mim. Percebi que estava longe do lugar que queria estar em termos de composição, tema e discurso”, reflete Rubel.

“Comecei a estudar a literatura brasileira, os clássicos de ficção e romance, livros de sociologia fundadores da ideia de uma identidade nacional. Estudei harmonia musical e muitas outras coisas para embasar a feitura do disco, sabe?!”.

O disco me bateu como essa nova era que estamos vivendo, você previu esse momento?

“Sim, ninguém me perguntou isso, mas essa pergunta é muito importante…  Eu sempre soube que o coração deste disco é um momento de resgate de uma esperança brasileira. E pra mim só faria sentido lançar esse disco quando a gente tivesse recuperando esse estado de esperança e de crença nesse lugar.”

“Então, a minha aposta, especialmente no ano da produção (que foi ano passado), é de que o Bolsonaro sairia do poder, de que o Lula ganharia, de que a energia coletiva do país ia mudar e de que o disco viria logo em seguida, justamente apoiado por esse movimento prático que estava acontecendo nas ruas, na cabeça das pessoas, sabe? Então, é muito legal ouvir isso de você, porque realmente era a intenção: dialogar diretamente com o momento político que a gente estava vivendo e marcar essa posição no sentido de que a partir de agora, a gente vai reconstruir esse lugar. O disco é muito sobre esse tipo de espírito”, conclui. 

“Deixa eu te fazer uma pergunta, em cima do que você falou: você sentiu, ouvindo o disco sem ter lido sobre a feitura dele, foi uma coisa intuitiva?”

Sem ter lido nada, eu acordei numa terça-feira, peguei o café, fui na janela, abri o Spotify, “olha, um disco novo do Rubel”, coloquei pra tocar e fiquei ali, sendo invadido por essa sensação de um Brasil possível…

“Caralh*, que fod*! Isso é muito fod* pra mim, porque eu tinha uma dúvida se o disco estava passando isso, sabe? Especialmente como eu não falo diretamente sobre esses assuntos, eu não consegui articular tanto isso de uma forma literal. Eu tinha dúvidas se as pessoas iam sentir isso, mas era muito o que eu queria passar, sabe?!”

Você visitou vários Brasis nesse disco, aí já foi pesquisando… Tem, por exemplo, ‘Na Mão do Palhaço‘, né? Você fala ali de um cara conservador, assim, que a gente não espera. Teve algum personagem conhecido, cara que inspirou essa canção?

“Cara, não teve ninguém conhecido, mas eu cresci numa família rica na Zona Sul do Rio de Janeiro. Então, assim, a vida inteira eu convivi com pessoas que fazem parte de uma elite econômica e muitas pessoas conservadoras. Estudei num colégio extremamente conservador, então pra mim esse tipo de personagem é muito familiar de alguma maneira, sabe? 

Na Mão do Palhaço‘ ela foi inspirada num poema do Carlos Drummond de Andrade (Poema ‘A Mário Casassanta‘) que é sobre um cara, um político importante que perde o poder dele e surta. E aí eu queria muito escrever sobre uma personagem que representasse um pouco dessa elite fodid* que domina o Brasil a 500 anos. Sabe, inicialmente ela ia se chamar “O Conto do Avarento” porque é um pouco sobre esse arquétipo que existe.”

Rubel continua “E é curioso porque acabou que muita gente interpretou como bolsominion, não era nem pra ser, mas ao mesmo tempo é inevitável que seja. E tem uma coincidência, ironia das palavras assim, que é “se cansou do bolso lamentar”. E eu tinha escrito originalmente como a ideia que seria o bolso como metáfora pro dinheiro, o bolso da calça, mas ela pode ser interpretada como bolso de Bolsonaro, como alguém que era um seguidor do Bolsonaro e fica abaladíssimo com o fato dele ter perdido as eleições. E eu tinha zero imaginado isso, mas é uma interpretação que acabou surgindo sem querer através da ambiguidade das palavras.”

 

Time de peso

Foi fácil reunir essas parcerias no disco? 

“Não foi fácil, mas ao mesmo tempo não foi tão difícil quanto eu esperava. Foi muito natural, quase todo mundo era amigo ou pessoas que estavam próximas de mim de alguma maneira, sabe? Amigo de amigos… E eu acho que foi tudo pela música. Todo mundo que estava ali topou porque ouviu a música e gostou. Então, não foi tão terrível assim conseguir esses nomes.”

Você fazia uma base e depois desenvolvia com eles?

“Tem casos e casos, né? A música com o Tim, por exemplo, eu escrevi a letra e ele fez a música. A música com o Xande, eu já mostrei pra ele pronta. Era uma composição com Ana Caetano e o Tom Brandilone. “Rubelía” com Deekapz, eu mostrei um beat meio bruto e eles compuseram grande parte. “Putaria” foi a mesma coisa, mostrei a música meio bruta e Gabriel do Borel fez o beat meio em cima do que já tinha feito. O Milton, ele me ajudou a compor a música, ela é uma parceria também. Liniker e Luedji cantaram em cima de uma música que estava pronta. Acho que depende muito, assim, cada caso foi um caso.”

 

Como você enxerga o rótulo de folk que foi colocado sobre seu trabalho?

“A minha cabeça não funciona dessa forma. Eu não gosto de um estilo de música só e não quero fazer um estilo só, e não quero ser visto por um estilo só. O ‘Casas‘ já era um movimento nessa direção de misturar coisas, misturar rap, MPB, R&B, só que com o Casas, eu fiquei muito rotulado ainda nesse lugar do folk, sendo que não tem um violão folk no disco. E agora, pelo amor de Deus, espero que as pessoas entendam que minha parada não é voz e violão, não é a música folk. Esse foi um momento da minha vida há 10 anos atrás, eu nem consigo ouvir folk mais. 

É até bom pra música que a gente consiga ter categorizações mais amplas, que a gente possa ser várias coisas ao mesmo tempo. Esse disco escancara essa vontade de uma forma muito literal. Acho que já está rolando, acho que elas já entenderam.”

O que você tem ouvido?

“Estou num momento de muito trabalho. Tenho ouvido bastante funk, a playlist Funk Hits do Spotify tem muita coisa boa. Eu sigo ouvindo muito Rosalía, que foi inspiração do disco. Tenho ouvido muito Elza Soares, tem o disco dela com Miltinho dos anos 60. Estou começando a pesquisar bastante sobre o jazz brasileiro, tem um disco que eu encontrei que é um negócio inacreditável chamado Orquestra Afrosinfônica, posso até te passar depois, é uma coisa inacreditavelmente linda. Tem até uma música que o Russo Passapusso canta, ‘Água‘ que saiu no disco do BaianaSystem, penúltimo disco, e eu ouvi aquilo e achei que fosse um clássico dos anos 60, e ele é de 2020, tem 3 anos só. É muito fod*, é um negócio muito lindo. Fiquei ouvindo em looping chorando demais assim e repensando, é muito fod*.”

Tem algo que você queria dizer?

Acho que fiquei feliz com as suas impressões, a parte mais importante é sobre essa vontade, essa pesquisa, essa descoberta… De uma reconexão com a identidade brasileira e com esperança de uma reconstrução desse lugar, da gente voltar a acreditar, eu não acho que o disco vai resolver isso, pelo menos ele pode gerar algumas perguntas e incentivar algumas pessoas a pensar sobre isso, porque acho que isso é coletivo, que vem acontecendo e que vai acontecer, as pessoas recuperarem uma vontade de pertencer esse lugar de olhar pra esse lugar, pra nossa cultura e falar “Isso aqui é fod* mesmo”, a gente não pode deixar isso aqui morrer, eu acredito muito na nossa cultura, e na nossa força como povo e nação, isso pra mim é o mais importante do disco.”

Temos um longo caminho a percorrer como sociedade, o discurso neoliberal ainda está presente mas o que Rubel nos apresenta é a conexão com nós mesmos, com nossa cultura, nossas certezas e contradições. É a conexão com os brasis verdadeiros, que só é possível nessa nova esperança. E provavelmente a trilha sonora desse momento é Rubel com ‘As Palavras‘.

Rubel – “As Palavras, Vol. 1&2”

Lucas Bosso

Leia mais