Lançamento da música mineira viaja por diferentes influências e já nasce clássico

Mandaram dizer que a Lamparina está sustentando seu legado de música boa e acaba de lançar um novo álbum. “Original Brasil” não tem uma faixa ruim e chega trazendo sensações de prazer, carinho e inspiração, te fazendo dançar até perder o chinelo.

O Mais Brasil conversou com Cotô e Marina pra saber mais desse marco na música brasileira e claro, conversar fiado.

O calor tá muito, mas as 10 músicas do novo trabalho refrescam à medida em que mexem com sua memória. Sonoridades exploradas por Cotô (Arthur Delamarque), Marina Miglio, Calvin Ferreira, Stênio Galgani, Bino e Thiago Groove e muito bem trabalhadas por Cido (Pedro Cambraia) carregadas de referências, dos metais de Tim e Benjor ao pagodão de Psirico e Attooxxa. Dessa vez com os convidados Iuri Rio Branco em “To Que To A Toa” e HOT em “Caso Velho”.

“O Brasil tá no calor, no calor do clima tropical, mas também no calor humano. Olha o tanto que a gente se difere quando tá em algum outro país e todo mundo percebe que é brasileiro. Tem esse calor, essa receptividade, essa coisa de fazer questão. Senta aqui, toma um café…”, comenta Marina.

A marquinha de chinelo é o que nos une. Marca registrada da brasilidade. Resultado desse calor em que, na praia, na cachoeira, ou na piscininha de plástico, todas nos envolvemos. Calor que nos impulsiona a movimentos únicos, sem registros similares em lugar nenhum do mundo. Lamparina é a criatividade brasileira liquidificada, expressa nas letras geniais sem pretensão, vozes e sotaques marcantes, instrumental ousado, percussão invocada e brincadeiras — sérias ou não — do funk ao piseiro.

Em março, Cotô e Marina foram prum sítio no interior de Minas pra se concentrar no novo trabalho. Mais tarde Calvin fez sua contribuição e Cido levou pro laboratório onde faz aquela mágica que o Brasil já conhece. Mix e master são dos premiados Guigo Berger e Felipe Tichauer, respectivamente.

A decisão estética e conceitual vem de uma conclusão que, embora óbvia e simples, demorou anos pra ser elaborada. Filha da geração tropicalista com essa “nova música brasileira” de Tulipa Ruiz, Gaby Amarantos, Curumin e Tiê, irmã de BaianaSystem, francisco el hombre, Rachel Reis e muitas outras, a Lamparina consolida em seu som toda essa suruba, ou melhor antropofagia, que mais do que nunca rompe fronteiras e limites.

+BR: Como cês conceberam o conceito do “Original Brasil”?

Cotô: Nossas composições surgem muito naturalmente. As músicas e a estética foram se encontrando. A gente quis entregar pro nosso público, maioria da geração 90, aquela nostalgia das sonoridades que crescemos ouvindo nos anos 2000. Marina tem uma intuição muito boa com essas coisas de… moda, de tendência. E esse negócio do “Brasil Core” está em alta e não vai sair né? 

Marina: Tudo foi se unindo, a gente queria um conceito bem brasileiro, de assumir essa brasilidade. É o orgulho, mas não sendo patriota “naquele” lugar. É uma outra ótica da coisa. Eu fico abismada com muita coisa que vejo. Eu vejo gente conversando, eu vejo coisa na internet e em tudo eu fico assim “Gente, mas esse povo daqui é muito maluco! É bom demais! Não tem isso em outro lugar do mundo não”. Se você for em outros cantos, você não vai achar um povo assim não. É só nós!

Cotô: A gente quis trabalhar essa questão por achar que a principal característica da brasilidade é a alegria de viver, de conseguir ser brasileiro…

Marina: Em todas as circunstâncias…

+BR: O que afinal são essas “brasilidades”?

Cotô: Acontece muito da gente tocar em festa que o Dj toca “brasilidades”. E a gente ficou “O que é isso de brasilidades? Não pode ser só remix de samba dos anos 70. É inacreditável que só isso seja sinônimo de brasilidades”. Brasilidade é o que toca, o que é produzido no Brasil todo. O Felipe Cordeiro postou um vídeo falando sobre esse tema naquela ocasião da Gaby Amarantos com a rádio. A gente já tava nesse contexto entre nós e foi uma união de discursos. Muita gente imagina que Minas Gerais tá no eixo Rio – São Paulo, mas não é bem assim.

Marina: Também as culturas dos lugares sem ser Belo Horizonte não são muito reparadas, precisam ser exaltadas. Quando o povo fala que Minas é uma roça, eu fico sem entender… até porque roça é uma coisa maravilhosa, se for da roça é bom demais. Mas…

“Dentro desse estado tem uma pluralidade gigante. Na minha casa mesmo a diferença entre a cultura da minha mãe e do meu pai é uma coisa absurda, porque é norte e sul de Minas. No sul tem muito sertanejo, no norte também, mas muita influência da Bahia. No interior tem muita cultura popular”.

Cotô: Somos muito despreocupados com essas questões de identidade por identidade. Nosso “Original Brasil” é simplesmente por estar sendo feito aqui dentro. A Lamparina é uma banda de compositores, a gente entra em tudo que é linguagem, estuda, explora, vivencia. A identidade da música, como se diz, “vareia” muito.

+BR: E como vocês vivem a cena mineira, o circuito local, regional…

Cotô: A visão do eixo Rio – São Paulo trata tudo que está “fora” como folclórico. Ao mesmo tempo que a gente vê a defesa do norte e do nordeste com a própria cultura, eles defendem mesmo. Por mais que alguns vão dizer que não existe união por lá, se souberem como é em Minas eles vão perceber que essa união existe sim. Estamos num lugar meio órfão de circuito, mesmo estando mais próximos de onde está o dinheiro do país, sentimos uma distância e a necessidade de mais investimentos por aqui.

+BR: Um caminho que vocês estão construindo, para além do “regional”, é fazer uma música que é pop, não acham? Vocês se consideram pop? É essa a proposta?

Marina: A gente tem uma ideia de pop assim… Pop é popular. E o que você quer fazer da sua vida como artista diferente do que ser popular? Eu não sei qual seria outro caminho…

Cotô: Esse nome tá muito limitado às divas e divos pop. Onde estão esses divos pop de hoje em dia? No trap, no sertanejo? Tá muito limitado a esse universo. A gente tá tentando fazer um movimento, movimento nosso, físico mesmo, de se mexer, que é a favor de ter mais bandas.

“Banda também é pop. A gente chega pra tocar nos lugares e só tem a gente de banda, o resto é solo. As pessoas não sabem a diferença, por exemplo, que BaianaSystem e Lamparina são bandas e a maioria são cantores COM bandas. É uma construção diferente, uma outra experiência, uma outra performance.”

+BR: Mas será que isso não é por causa de custo?

Cotô: Um dia a gente foi num festival com 9 pessoas, a equipe da Duda Beat tinha 16. E eu fiquei pensando “Por que a desculpa pra não contratar a gente é o tamanho, se a gente tem um custo melhor?” Não tem nada dessa de custo não. Isso é uma mentalidade de parte dos contratantes de que contratar uma banda vai ser mais caro. Quando você chama um cantor, ele leva a banda e todo mundo tem que comer, todo mundo vai pra hotel, às vezes leva muito mais equipe.

+BR: E como tem sido a evolução da produção musical de vocês e que desafios vocês estão prontos pra enfrentar daqui em diante?

Cotô: Depois da composição, a base de tudo, o mais importante é a produção. Conseguir tirar a música da ideia que está na sua mente e colocar ali… é difícil demais. Eu aprendi a produzir com Cidoka que é meu grande mestre e depois disso ficou mais fácil traduzir o que a gente queria fazer. Com muito mais paciência, porque produzir gasta tempo, né?! “Na Rua” e “Te Conheço Bem” já produzi sozinho e fiquei muito feliz.

Marina: Tem muita música que a gente desiste porque não consegue chegar num lugar massa na produção. Às vezes a sua comunicação com quem está produzindo precisa ser muito… a pessoa precisa te entender muito pra você conseguir falar “É isso aqui! Cinco vezes menos do que você está fazendo aí”, tem que ter muita conexão.

+BR: E como foi produzir “To Que To a Toa” com o Iuri?

Cotô: A gente ligou pra ele e falou “Tamo pensando em produzir um reggae”. A gente tinha tanta consciência de que na mão dele ia ficar bom que ele mandou a primeira ideia e a gente já falou “É isso!”. A gente gravou a voz dentro do meu guarda-roupa com o iPhone, o violão também gravamos e enviamos. Foi essa versão. 

+BR: Vocês participam de tudo, né? Cada etapa criativa tem a digital de vocês…

Cotô: A gente importa com o clipe, com a parte estética, o show, a produção. É importante falar isso porque tem muitos artistas que só cantam, não estou diminuindo esse trabalho, mas no nosso caso a gente se envolve em tudo e faz diferença.

+BR: Para além da arte, como vocês tem pensado o trabalho da Lamparina estrategicamente?

Marina: Eu sou uma pessoa que… gosto muito de fazer coisas simples e essas coisas por serem simples transmitem algo de… soam mais popular, né?! Eu sempre quis fugir desse lugar de complicar e fazer algo transcendental demais. O simples consegue ser mais popular. Tem sempre uma música que a gente acaba de fazer e fala “Essa é a cara da novela das nove”.

Cotô: Calvin, Marina e eu temos o mesmo método pra compor. Nosso jeito de pensar música, a estrutura musical é igual e por isso a gente dá muito certo. Sempre estudamos e tem aquela teoria da atenção do ouvinte, né? Agora mesmo estamos reduzindo a quantidade de canais, de elementos. Saímos de 120 do primeiro, pra 70 no “Zam Zam” pra 16, 15 canais… A gente pensa também como a música bate, isso é importante. A questão do tempo da música pra inserção em playlists, nas plataformas.

“Como disse Tim Maia ‘O mundo só vai ficar legal depois que terminar o dinheiro, porém que não me falte nenhum enquanto não terminar’, então como a gente é refém do Spotify, que não nos faltem playlists enquanto a gente for artista.”

ESCUTE SEMPRE A LAMPARINA!